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FORÇA NA PERUCA

Lição pra vida ou como diz o velho ditado: “Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”

A FOTO REVELA

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Quando escrevi sobre o funk carioca, publiquei essa foto, que foi capa de uma reportagem da Folha de São Paulo sobre um baile funk dos anos 80. No jornal, a foto é bem maior e podemos ver as estampas florais se repetindo em vários padrões. Não nego que fiquei fascinado e intrigado. Mesmo a foto sendo em p&b dá para sentir uma certa vibração das cores que parecem casar e iluminar tão bem as roupas na Cidade Maravilhosa, longe da canhestrice do chamado lifestyle carioca.
Já comentei aqui no blog o fascínio que senti ao ver as belas da Zona Sul vestindo as roupas estampadas e coloridas da Neon, da Amapô, da Fkawallys quando Rita Wainer armou uma Fashion House no Jardim Botânico. Parecia que aquelas roupas que aqui eram vestidas por pessoas descoladas e undergrounds ganhavam uma outra aura. Parecia que aquelas estampas sempre pertenceram àquelas garotas educadas no Santo Inácio ou na PUC. Parecia que aquele colorido todo ganhava um outro e novo sentido, um certo glamour. E assim parecia no mesmo tom a sensação que tive ao olhar as estampas do baile funk em preto e branco.
Muito longe da mentalidade que tenta construir o tal do “lifestyle carioca” que se pretende pretensiosamente atemporal e universal, acredito sim que as cidades apresentam seus estilos mas de maneira menos ambiciosa e deslumbrada. Claro que esse tal “estilo” sempre se dá dentro de um recorte de tempo, classe social, área, sensibilidade visual e da percepção de quem visita ou reside em certa cidade. Muito diferente de um ambicioso plano de decidir que tal cidade é e será eternamente enquadrada em um tipo de comportamento, as visões que os turistas tem das cidades que visitam, sempre de maneira tão profundamente pessoais e superficiais, são as que acredito mais válidas. Claro que existem traços que durante um tempo, às vezes décadas, são comum àquela cidade ou a tribo ou classe que a representa. Dizem que Tóquio hoje é o lugar que indica 2 ou 3 anos o que será moda pro resto do mundo. Durante um bom tempo poderá ser assim, mas isso não significa que sempre isso acontecerá.
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Mas observando a foto novamente do baile funk vejo, à direita, dois rapazes vestidos de maneira idêntica, floridos mas iguais. Antes que se entre em qualquer disputa bairrista que esse tipo de post sempre parece sugerir, não vou nem tocar no velho chavão dos modernos de São Paulo que não enxergam quase nenhum estilo na Cidade Maravilhosa e sim vou falar da experiência de um turista muito conectado nas questões de estilo. Um grande amigo inglês quando visitou o Rio teve seus momentos de êxtases, mas como bom britânico depois de alguns dias na cidade, virou pra mim e comentou: Por que todo mundo é igual nessa cidade? Argumentei que achava o lance bermuda e correntão uma maneira vintage do Rio se estabelecer e se afirmar antes da revolução da moda de rua, aquela que antes fazia todo mundo se vestir mais ou menos parecido segundo os ditames dos costureiros internacionais. Pensei de como era paradoxal já que é muito forte a questão de uma falta de personalidade individual nas roupas usadas nas ruas, mas que a roupa pouco importava pois tinha o corpo, e nesse quesito os cariocas tem o melhor corpo-roupa do mundo. Ele sempre inglês me respondeu que mesmo fenomenais: até os corpos são iguais!
Claro que a partir daquele momento comecei a ver, sinceramente, o estilo carioca com menos entusiasmo, pois a questão do corpo, da beleza e plenitude do corpo que os cariocas tem como em nenhum outro lugar era vital pra pensar em alguma individualidade até aquele momento pra mim.
Mas ao ver os dois rapazes na foto de maneira idêntica e sem o menor constragimento por isso, como um código de identificação, pensei se a questão da coletividade não era a chave pra entender a individualidade naquela cidade. Foi o que essa foto me revelou
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GOYA E JULIETTE (O ESPANHOL E A FRANCESA… E A BRASILEIRA)

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Mme. Récamier por David

A francesa Juliette Récamier [a moça acima] foi uma espécie de Kate Moss (guardada as devidas proporções) do final do século 18 e começo do 19, pois ela era a grande difusora de moda na sua época. Foi ela a responsável pela popularização da chamada linha império ou diretório.
O Diretório, lembrando um pouco das aulas de História, foi um curto período (1795-1799) que antecedou o surgimento de Napoleão na França e que tentou dar uma certa ordem ao regime do Terror que veio pós Revolução Francesa e abafar todas as revoltas. Mesmo que de fundo autoritário, o Diretório tentou dar ordem ao que seus líderes enxergavam como caos. Também é do mesmo período o chamado Arcadismo ou Neoclassicismo e à volta aos valores greco-romanos tanto nas artes, arquitetura assim como na literatura. Enfim, um retorno a um tempo mítico, onde tudo nos dava a idéia de ordenado.
Por isso os vestidos longos, retos com a cintura marcada logo abaixo dos bustos, em geral de tecidos leves como a musseline remetiam a um ideal ligado à Grécia antiga e se tornaram as roupas representativas das décadas pós Revolução Francesa.
Juliette, assim como a imperatriz Josefina – daí nome linha império -, é um nome central na difusão dessa peça tanto que a a silhueta também é conhecida como récamier.

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Nesse extraordinário trabalho de Francisco de Goya, “A Família Real de Carlos IV”, de 1801, vemos a influência da silhueta império em outras cortes, como a espanhola. A figura central, mais iluminada que o rei é a rainha Maria Luísa de Parma que, junto com toda as outras figuras feminina do quadro, ostenta vestido da linha império. Podemos ver também o magnifíco contraste de cores, a leveza dos trajes femininos e a altivez dos masculinos, mas todos os adultos apresentam traços no rosto entre a alienação e a pasmaceira, incomum na composição pictórica de nobres e ainda mais dos supremos líderes de uma corte.
A genialidade de Goya como retratista faz com que mais do que vermos os brilhos dos brocados, dos bordados a ouro, das pedras preciosas, das pérolas, os sentíssemos reluzindo. O brilho ofusca as caras meio tolas e alienadas dos personagens principais que estão prestes a serem subjugados exatamente pela força que difundiu os vestidos império, a era napoleônica. É uma corte retratada em seu fim. Enfim, as mulheres já vestiam culturalmente o que depois seria político. De alguma forma, a moda antecipou os fatos.

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PS: Quando Gisele apareceu com um Dior Couture da linha império no Oscar de 2005, todos falaram que ela estava grávida. De alguma forma, a moda antecipou os fatos.

O BLACK POWER

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O Black Power nasce nas veias dos anos 60 para correr por toda a corrente sanguínea que não via diferença entre brancos e pretos. Era a vez de dar um basta às humilhações que os negros sofriam nos Estados Unidos (aquele lance de sentar no fundo dos ônibus, bebedouros separados…) e clamar por direitos civis. É poder negro!
Dizem (blog é uma delícia por isso, podemos falar dizem) que a expressão “Black Power” foi criada por Stokely Carmichael, militante radical do movimento negro nos Estados Unidos, após sua vigésima sétima detenção em 1966. “Estamos gritando liberdade há seis anos. O que vamos começar a dizer agora é poder negro”, anunciou.
Hoje Obama está no poder, e se os negros não estão em uma posição ideal ainda na sociedade, não podemos negar que sua força de mobilização fez com que seus direitos avançassem, entre erros e acertos.
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pra mim um acerto, talvez uma das maiores imagens de uma Olímpiada, pra outros um erro, reverenciar um grupo como os Panteras Negras

Mas o que mais interessa agora é discutir sobre o valor simbólico do cabelo dos negros. Por um mimetismo, durante anos, nas décadas antes de Martin Lither King, eles fizeram da chapinha uma lei, e o chamado cabelo Black Power veio como um grito de liberdade e de possibilidades. A atriz Zezé Motta conta que quando viajou a primeira vez para os Estados Unidos e viu os negros americanos com sua cabeleira solta, ela imediatamente voltou pro hotel e enfiou o cabelo debaixo d’água pra tirar a chapinha. É inegável o acontecimento do cabelo black power e seu efeito no orgulho em ser negro.

Um orgulho que mesmo com a tal “teoria” do técnico João Saldanha, não intimidou um craque como o jogador Paulo César Caju, que ganhou esse apelido por pintar o cabelo black power de “acaju”. O nosso pré-David Beckham esbanjava estilo e vestia calça “boca-de-sino” quando ninguém ousava usar.
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Esse orgulho da raça pelo cabelo é um movimento importante, pois inverte-se a lógica do “cabelo ruim”. Quer dizer, é um estilo de cabelo que teve um valor simbólico – e ainda tem, por mais fashionices que queiramos colocar para esvaziar o seu discurso – até porque a revolução que os negros fizeram na sociedade americana também aconteceu pelo cabelo, em suas raízes.
Já disse que esteticamente acho um estilo de cabelo incrível e hoje os negros tem a liberdade de fazer com o cabelo o que bem entender. Power aos blacks!

PS; Esse é o link para a matéria interessante de Camilo Rocha sobre a Woodstock negra.

POR UMA POÉTICA FASHION

Fiquei muito intrigado e pensando o que levou alguns comentários no post sobre Um dos Dois Lados da Moda a acharem que aquilo que segundo o Youtube foi exibido ao vivo em um canal local de Pernambuco era algo fake. Primeiro pensei que era uma diferença regional e como comentei no próprio post: “Quem assiste tv no Nordeste vê muito essse tipo de reportagem, mais solta, longe do padrão boneco duro do Sul maravilha”. Mas depois pensei se não foi o clichê do discurso da repórter com textos como “tá super em alta”, “valorizam o decote aliando…”, “eles contam com leveza e trazem jovialidade para os looks” que possa ter dado o tom fake ao vídeo. Termos tão usados e que acabam perdendo o seu significado, fica apenas o signo “sou expert em moda pois domino sua linguagem”.
Nesse sentido, volto para um texto que teve uma certa repercussão aqui no blog onde anuncio o uso desproporcional da palavra crise, seu desgaste e seu aparte colonizador, já que a palavra serve muito mais como cópia da crítica dos editores interncionais do que uma análise pertinente na maioria dos casos. Sem falar que o desgaste de uma palavra leva ao seu clichê e por fim ao seu esvaziamento e a idéia de fake, isto é, ela pára de revelar algo.
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Penso nisso como algo sintomático nos textos de moda – eu mesmo não sei como me livrar de tantos clichês que caem sobre meus textos – e uma reação por uma verdadeira poética na crítica de moda seria um passo necessário, apesar de difícil, mas não impossível para uma nova crítica de moda.
Vejo felizmente sinais – pelo menos de questionamento – do uso excessivo de certos termos na moda que com o tempo esvaziam seu significado e acabam por nada dizer.
No texto de Alcino Leite na coluna Última Moda que escreveu sobre o desfile da Jil Sanders em Milão para o inverno 2009:
Certos críticos chamaram-na de “futurista”, mas o termo virou um clichê no meio da moda. Não há nada de futurista na coleção de Raf Simons: há apenas uma ousada experimentação com formas circulares, o tratamento hiperbólico das dobras e ondas das roupas, o desejo de desafiar a fixidez da silhueta.
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Olhos livres para a crítica de moda! Acima de tudo como Raf Simons os utilizou para penetrar na obra do ceramista francês Pol Chambost.
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PS: O uso da palavra poética também é um clichê!!!!