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EM DEFESA DA CRÍTICA


Ao terminar de escrever “Crítica de Moda no Brasil?”, liguei a TV para uma espécie de esvaziamento de ideias e por acaso estava passando um episódio dos “Os Simpsons” que Hommer era um crítico de gastronomia e para tanto deveria ser cruel, falar mal de tudo e todos para ser respeitado. Pensei muito sobre esse senso comum que constrói a imagem do crítico como um ser perverso que sua única função é destruir, desdenhar.
Ela vem em conjunto com outro senso comum que é a razão perene do artista contra a crítica. Gerald Thomas adora volta e meia citar Walter Kerr, o grande crítico de teatro do New York Times: “Ele detonou nos anos 50 [a peça ‘Esperando Godot’, de Samuel Beckett] e acabou se despedindo da crítica, fazendo um “mea culpa”, dizendo que Godot era TUDO e que ele não havia visto aquilo. E, portanto, não deveria ter visto milhares de outros talentos também”. Assim temos a crítica como falácia e injusta (apesar de Kerr ser crítico até seu último suspiro).
O que parece Gerald esquecer é que Beckett foi antes de tudo um crítico, e crítico no sentido restrito da palavra, seu trabalho sobre a obra de James Joyce – e muito ele escreveu antes de ser o tal Beckett do Teatro do Absurdo – ainda é referência para a literatura. Sem contar que muito do “sucesso” de Beckett se deve aos críticos franceses e sua ação de se perguntarem sobre o que era aquilo [a estranheza] que estava em cena do que aos artistas tão cheios de boa vontade.
Sobre o crítico ser alguém que só tem valor por desdenhar, temos na contramão o exemplo de Truffaut e Godard, Rommer e Chabrol ainda críticos – e não cineastas – do Cahier du Cinema reavaliando a importância de Alfred Hitchcock. Para quem não sabe, tanto para a crítica mundial até os anos 50, assim como para Hollywood, o diretor inglês era considerado um cineasta de segunda linha. Foi o tremendo esforço crítico dos jovens do Cahier que colocaram Hitchcock no lugar que se encontra hoje, um mestre do sentido total da palavra.
Tem-se também o mito que o crítico tem que ser um ser superior, outro senso comum que deveria ser enterrado. No Brasil, temos o grande exemplo de Mario Pedrosa e Abraham Palatnik nas artes plásticas. Ao construir uma peça que tinha movimento, mas não era nem escultura, nem pintura, e ainda não se tinha noção de instalação (estamos nos anos 50), Palatnik chamou Pedrosa que criticamente também se indagou sobre o objeto. Os dois cresceram juntos com a obra que seria uma das precursoras da arte cinética. Houve um aprendizado em conjunto.
A arte e pensamento trabalham para além do senso comum, já de entrada basear-se em senso comum seria um demérito tanto para artistas como estilistas. E a ação crítica dá aval ao fazer artístico ou cultural, não existe um sem o outro. Não existe Cinema Novo sem Alex Viana ou Paulo Emílio, não existe Neoconcretismo sem Ferreira Gullar. Não existe Bossa Nova sem Tinhorão ( seu crítico antagonista). E garanto: não existirá a tal moda brasileria sem crítica.

CRÍTICA DE MODA NO BRASIL?

A crítica de moda no país sofreu duas grandes baixas esse ano. A primeira foi a saída de Alcino Leite Neto como editor de moda da Folha de São Paulo. Uma das poucas vozes independentes se calou. Senti durante todo esse ano uma tremenda falta de visões de Alcino sobre moda, por mais que pudesse alguma vez discordar dessa ou de outra ideia, existia ali um exercício crítico – sincero – de pensar a moda. Não é à toa que sua entrada para o mundinho coincide também com um interesse de novas gerações sobre o pensamento de moda e isso podemos ver tanto no surgimento de um evento do porte do Pense Moda como também no excelente fanzine de Aline Botelho e Thiago Felix, o Edição de Luxo. Enquanto tivemos Alcino na Folha e seu aprendizado sobre o ofício de moda – ele mesmo admitia não conhecer nada de moda quando ia aos primeiros desfiles -, acabou acontecendo também uma desmistificação da informação de moda. o que era quase criptografado se tornou acessível. E não tenho nenhuma dúvida que ele exerceu sua crítica como os críticos de outras áreas da cultura também a exercem, uma crítica atuante. Para muitos, a contagem de negros era mais um sensacionalismo da Folha, “uma bobagem” para muitos fashionistas dissimulados em seus preconceitos mais profundos. Pois para mim sempre foi clara como uma atuação crítica, no sentido mais moderno, de interferência no processo. O aumento do número de negros nos últimos desfiles da temporada de moda em São Paulo não é obra do acaso ou vontade de um ser generoso e provedor e sim fruto de uma atitude crítica.
Mas Alcino não escreve mais sobre moda…
A segunda veio como uma ducha fria. A saída de Erika Palomino do site FFW, ligado ao São Paulo Fashion Week. De umas 3 temporadas pra cá, o site que nunca me chamou a atenção e sempre achei chapa branca, tinha se tornado algo interessante por ter um time de jovens jornalistas tentando exercer a crítica dos desfiles de moda. Pelo que eu saiba foi uma das condições para Erika aceitar o cargo e foi a que fez sair, já que não poderão ser feitas críticas “negativas” das coleções a partir das próximas temporadas.
Desde que comecei a frequentar o mundinho, muitos dizem a boca pequena que Gloria Coelho sempre faz a mesma coisa, dizem esse “fazer a mesma coisa” de forma meio depreciativa – pessoas até próximas da estilista. Existe uma parcela de fashionistas que fazem essa mesma crítica a Gloria Coelho faz muitos anos. Eu – que quero deixar bem claro, tenho a maior admiração pela estilista – discordo e acredito que não é demérito fazer a “mesma coisa” (tadinho do João Gilberto). Mas existe essa visão [válida, já que feita por muitas pessoas de moda] que aposto nunca chegou a sra Coelho, mas o jornalista Luigi Torre, na temporada passada para o FFW, teve a coragem de escrever isso. Oras, além de ser um ponto de vista dele, é também algo que se discute com muita recorrência nos corredores da Bienal, o que eu – mesmo discordando – acho muito legítimo de se tocar e discutir. Gloria Coelho ligou reclamando para Paulo Borges – é o que dizem os corredores e a boca pequena que aqui se torna grande. Dizem que outros estilistas também reclamaram das críticas pouco laudatórias de suas coleções no site do FFW. Eu sinceramente acredito que os estilistas deveriam perceber que sem uma crítica de moda, o trabalho deles nunca terá relevância no panorama cultural e por crítica coloca-se tanto o que pode ser ruim e o que pode ser bom. Nada é 100% perfeito como querem os estilistas, stylists, empresas, marketing da marca. Por mais duras que às vezes possa parecer as palavras de alguém que escreve de moda, sim pode ser irresponsável, se um estilista quer ter relevância cultural, ele deve entender as críticas como peça fundamental do seu processo criativo.
Sim, uma grande maioria dos críticos de moda precisa crescer e aprender muito, mas os estilistas também.

PS: Sobre o fato do site do FFW ser do SPFW, eu só penso em Maria Rita Kehl e o Estado. E aqui eu me calo.


Saudades de Alcino

A CRÍTICA DE MODA

A vinda do professor de filosofia dinamarquês Lars Svendsen para o Pense Moda abriu uma discussão sobre a crítica de moda. Confesso que não li o seu livro “Fashion: A Philosophy” (Moda: Uma Filosofia) – que segundo as observações de Alcino Neto, no texto “Lições de Crítica e Liberdade”, me parecem interessantes -, mas seu recorte para mim não faz muito sentido hoje. Ele faz o diálogo entre moda e arte, enquanto acho mais salutar – na minha humilde opinião – o recorte entre moda e mundo ou moda e vida, para tentarmos constituir uma verdadeira crítica de moda. Se assim fizermos, todas as observações que Sylvain Justum fez da palestra de Svendsen ficam muito mais esclarecedoras.

Ao mudar o eixo arte para o eixo mundo, temos também maior clareza do papel do crítico. Ora, ele está no mundo, é agente ativo e passivo dos acontecimentos, então temos aí um primeiro passo: o crítico como sujeito. Diferente da ação jornalística que prima pela aproximação com a objetividade e com o imediatismo, a crítica necessita da subjetividade e do tempo de fermentação. Existe um tempo para que aconteça o encontro do que foi visto e o que irá ser refletido. Às vezes ele é muito rápido, mas nem sempre – ou quase nunca – ele tem a velocidade do jornalismo porque ele carrega subjetividade e não a objetividade prática das notícias.

Antes de falar desse paradoxo da rapidez do jornalismo de moda com o tempo da crítica, queria deixar claro que a questão da subjetividade que falo no papel da crítica não significa essa exarcebação do eu que vemos nas redes sociais e em muitas resenhas de moda sobre os desfiles, cheias de opiniões sem contextualização. Ela significa esclarecer ao leitor seus gostos, deixar claro sua linha de pensamento e sua visão de moda.

Se no jornalismo a velocidade da informação é cada vez maior, no jornalismo de moda ela é supersônica. Descarta-se com facilidade espantosa o que acabou de acontecer tornando-se antigo o objeto que acabou de surgir por não ser mais novidade e assim, sem os olhos e o debruçar dos jornalistas/críticos, tal objeto de assunto perde qualquer interesse de reflexão. Isso faz parte da dinâmica do jornal, mas não da crítica.

E uma postura que o crítico de moda deve adotar é resistir heroicamente em concordar com esse tipo de dinâmica, ele deve agir contra essa atitude para assim historicizar o objeto de moda. Só o que está – e permanece – no mundo e na história do mundo é que tem valor crítico, então colocar, recolocar, relembrar seja os desfiles, as peças de roupa, uma atitude comportamental na história, e não descartá-la como notícia antiga é papel crucial da crítica de moda. Refletir sobre coleções passadas, a história do estilista, as roupas das pessoas nas ruas de todos os tempos e outros ângulos da moda deve ser o motor da crítica de moda. Aqueles que fazem sua resenha pra embrulhar peixe no dia seguinte estão longe de uma verdadeira apuração crítica. E nesse sentido devemos colocar a crítica de moda em confronto – saudável – com o jornalismo de moda.

Por fim, por a moda estar em diálogo com o mundo, tudo que é do mundo pertence à moda, inclusive a arte. E a crítica não deve se abster de olhar o mundo através da moda. E no mundo não tem fórmulas, exatamente por isso a crítica de moda também não deve ter, da mesma maneira que não existem duas pessoas iguais em tudo no mundo, não deve ter milhares de “críticas” de moda iguais como o que ocorre ainda hoje. Acreditar que falar das tendências, da cor e da modelagem de tal coleção, está se fazendo uma crítica, pois assim se formatou um pensamento durante um tempo (obscuro) é trair não só a sua subjetividade, mas também a sua capacidade de ser um sujeito ativo no mundo – um crítico.

Será apenas esse o lugar da crítica de moda?

POSSIBILIDADES DE ENXERGAR UM DESFILE

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O desfile hoje é o ponto central da crítica de moda ou pelo menos aquilo que lhe dá mais Ibope. Sempre penso qual a melhor maneira de focá-lo? Existem mil direções, mas essa que Marco Sabino vislumbrou em seu blog é a pra mim a que mais funciona:

“Quando eu vejo uma coleção pela primeira vez, eu não me preocupo em ver os detalhes, reparar quantos bolsos a roupa tem, se vai ser usável ou não, nada disso. Aliás, eu não olho uma coleção e penso como uma mulher que terá a possibilidade de decidir se vestirá ou não aquilo ou algo do tipo que venha a aparecer mais no comércio.
Eu gosto mesmo é de sentir o IMPACTO visual da coleção que abrange as formas, a cartela de cores, enfim ter idéia geral do que desfilou. Após esta primeira impressão, investigo com cuidado, comparo e analiso. Escrevo o que penso. Depois até consulto outros editores de moda internacionais para ver qual a opinião que eles tiveram que, aliás, quase nunca é unânime.”

E o que vocês tentam enxergar primeiro em um desfile?