QUESTÕES DA MODA DE RUA

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Marco Sabino, que realiza um papel importantíssimo na moda brasileira de historicizá-la através de seus textos e de seu já clássico Dicionário de Moda, me enviou essas perguntas bem interessantes e argutas sobre a moda de rua e decidi que minhas respostas deveriam ser compartilhadas, até porque estão em formação. Não existe um pensamento muito claro sobre a moda de rua e uma discussão enraizada, pelo menos no Brasil.
Ele também me escreveu dizendo que muita gente acha que o oposto da moda de rua é a alta costura. Superficialmente podemos pensar que sim, pois temos a chamada democracia nas ruas em contraposição à elitização extrema da alta costura – hoje quantas pessoas consomem alta costura? 500, 1000 pessoas no mundo todo? Mas como disse, essa oposição é apenas superficial pois as duas procuram o mesmo caminho: O da individualização – o ponto mais importante da moda e sua contribuição para o mundo! Só que uma – a alta costura – em relação à roupa e a outra – a moda de rua – através do estilo.
Então comecemos! Como disse são respostas cruas e acho que todos poderão ajudar no debate que talvez se forme aqui e/ou em outros blogs.

1- Qual seria o oposto da moda de rua?
A moda de rua ou anti-moda surge nas tribos jovens entre os anos 50 e 60 que criam um estilo pessoal distante do que ditava as passarelas, mas ainda identificados com o segmento que os representavam (teddy boy, beatnik, mod, hippie) Enfim, eles não se preocupam com a chamada moda oficial, não respeitam seus códigos e nem os seguem. Então, por exercício lógico, podemos pensar que a moda de rua estaria em oposição à moda de passarela, mas na verdade o que ela processa e pretende é estar no lugar da moda de passarela, no topo da pirâmide e não mais na base. O seu oposto na verdade é a diluição da moda de passarela nas ruas.
[Talvez isso explique minhas ressalvas ao trabalho do The Sartorialist como moda de rua pois ao fotografar saídas de desfiles e lugares ditos como fashion, estaria ele fotografando mais atento à diluição da moda de passarela, apesar de na diversidade dos tempos de hoje, ele consiga achar sim, às vezes, pessoas com estilo próprio que é a raiz da moda de rua, um de seus objetivos cruciais, na minha opinião e não apenas como a rua está lendo a passarela]

2. A roupa comprada na loja de grife também não vai às ruas e acaba se misturando no olhar? Ou existe uma “moda de salão”?
A moda de rua trabalha numa chave diferente dessa que estamos chamando de “moda de passarela ou oficial ou mesmo de salão”. Sabemos que a “moda de salão ou oficial” só se fecha e ela só acontece quando chega às ruas. Mas a moda de rua independe da passarela, podendo sim ser influenciada – pouco, verdade seja dita, ou enganosamente como o caso dos lenços palestinos que foram chamados por um tempo de lenços Balenciaga -, mas ela apenas dialoga com essa moda de passarela que sim, está muito atenta para o que acontece nas ruas. Aliás o espírito da moda de rua é não olhar pra passarela, já que ela tem caráter subversivo, de anti-moda no sentido de estar invertendo a pirâmide da “moda oficial” [antigamente era dos grandes ateliês para as ruas e a partir dos anos 60, formou um outro movimernto que sai da rua para os grandes ateliês]. A legítima moda de rua influencia as passarelas. Até porque nas passarelas o primeiro foco é a roupa (produto) e imagem dessa roupa ou da marca. E na moda de rua o primeiro foco é o estilo ou imagem da pessoa, do indivíduo. A indivídualidade é muitíssimo sutil na passarela porque o foco tem que ser as roupas,a grife. Não existe uma individualidade Herchcovitch, Calvin Klein ou Marc Jacobs, o que existe é a label, a marca, o produto
Então a moda de rua é anti-moda porque independe da passarela para existir, depende unicamente de personalidade e do indivíduo. Posto isso, pouco importa se a roupa é de grife ou não, porque o que importa no caso da moda de rua é quem a veste e como aquilo que a veste lhe realçou a personalidade. Isso pra mim é claro nos uniformes, pois todos são iguais (e poderia ser todos assinados por Balenciaga) mas são certas pessoas que – no modo de compor, andar, fazer um certo detalhe diferencial – dão mais personalidades a eles, os uniformes, do que outras.
É importante ressaltar que não é porque está na rua é que é moda de rua – pode ser apenas diluição da passarela, a base da pirâmide que tem como topo as grifes -, na moda de rua tem que ter o quesito “desprezo” para as tendências da passarela, ou antecipá-las ou usá-las para além e acima da tendência de passarela.
[Um exemplo é o garçom do Ponto Chic que usa o colete-jaquetão de uniforme antes mesmo da tendência das passarelas masculinas internacionais e possivelmente continuará a usar depois que essa tendência passar].

3. Roupa de rua = Roupa de gueto?
Ela surge assim e permanece assim até hoje. O estilo dos guetos do hip hop e do rock que o digam. E por isso a importância dos uniformes para entendermos melhor a moda de rua. Mas a partir dos anos 1990 e seu já clássico termo “supermercado de estilo”, o menino do hip hop que se destacava por seu estilo dentro do movimento ganha mais liberdade, pois percebe-se que não precisa pertencer a algum grupo específico para ter um estilo. É a entrada da era das individualidades na moda de rua. O gueto ainda conta – veja os looks dos emos hoje -, mas com menos força e mesmo assim mais mixado. Muitos emos podem se passar por indies, por exemplo. Como muito clubbers por ravers. Mas a acentuação individual ganha mais corpo.

4. Na sua opinião, representantes de classes mais baixas, o povão mesmo, se toca com moda?
No Brasil nos falta cultura visual. Com certeza tanto diante de um quadro de Boticelli como em um desfile de Ronaldo Fraga, o observador médio tem muita dificuldade de formar discursos e/ou outras visualidades a partir desses dois exemplos. O ensino de artes no país é uma catástrofe. [Exatamente por isso truques como Galeria Vermelho e outras atrocidades da artes contemporâneas mistificadoras no nosso país caem no gosto suburbano do provinciano].
Sobre a questão das classes populares, essas sem educação visual nenhuma agem como a maioria da população brasileira, incluindo os ricos, no quesito moda: Por instinto. A maioria das vezes copiando o que “está na moda”. E no caso da classe média e baixa copiando não a moda de passarela, mas a de novela o que é um fenômeno interessantíssimo. Toda a educação visual e com isso a de moda [precária, diga-se de passagem] da maioria dos brasileiros é dada pela televisão.
Enfim, a moda como expressão da individualidade é ainda mérito de poucos, de uma elite muito restrita que não necessariamente é a econômica nem a intelectual.

5. Gosto do povão é diferente do da classe média?
Um pouca dessa pergunta está respondida acima, mas como falamos de individualidades, a questão de classe fica mais prejudicada. Usando uma frase antiga de Glauber Rocha que se encaixa para esse exemplo: “No meio da massa tem o indivíduo e o indivíduo é muito mais difícil de dominar”.

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O que você verdadeiramente vê?

7 Respostas para “QUESTÕES DA MODA DE RUA

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  2. Se eu te encontrar na rua vou te pedir um autógrafo, tá?

    Adoro quando você contrapões o foco de um look/moda na passarela e um na rua. Que num é a roupa e marca que vale, enquanto no outro é o estilo, a individualidade que tem mais valor.

    Fica tão mais fácil entender porque o que o The Sartorialista ou o Face Hunter faz não é moda de rua de verdade…

    E outra coisa que eu fiquei aqui pesando… será que, meio como consequência dessa cultura visual precária, essa tentativa de expressão individual acaba funcionando ao contrário? Meio como que a pessoa tenta expressar uma individualidade, ou tenta projetar uma personalidade, mas acaba se atrapalhando nos códigos e a leitura que passa é algo totalmente diferente daquilo que ela realmente é, ou que deseja ser. Será que tem isso mesmo ou eu estou viajando?

  3. eu nao sei vitor… concordo com muita coisa que voce disse, inclusive genial a coisa da falta de cultura visual porque a leitura de mundo pode se fundamentar nesta bagagem estética.
    massss… acho que a gente ainda não entende a moda da rua. ando pelas ruas e obsevo as pessoas e me intriga muito o que as inspira pra vestir. não é só o sexy-povo, nem o magazine total, nem o tentativa de tendência. tem uma coisa no brasileiro bhrameiro que é muito peculiar. e a acho que ainda não captei. ótimo texto.

  4. a moda de rua é a tentadiva de um resultado visual referenciado pelas passarelas com a utilização de todas as tendências e inclusão das próprias características individuais o que não necessariamente se torna hit… apesar de que concordo com a influência da televisão, porque isso acontece até na linguagem/gírias das pessoas! pelo que me parece a questão moda de rua é muito mais um copy/paste do que o seguimento da evolução fashion! é muito mais querer pertencer do que querer enteder e usar! imagina se alguém com força de influenciar as pessoas, como a ex-bbb e queridinha da tv grazi massafera lança alguma e a moda pega, mas depois as pessoas acabam percebendo que foi uma total gafe e uma ofensa para diferentes religiões/culturas e afins? seria polêmico e todo mundo pararia pra pensar se você usa porque você quer e/ou gosta, ou exatamente porque ‘tá usando’ (né?)

    bom, falando ainda de desfiles, tendências e moda de rua, quero ver se os homens vão aderir à meia-calça de lã xadrez com shorts que vi no desfile do mário queiroz… eu usaria fácil! só estou esperando o friozinho chegar!!! 😉

  5. Eu amo a Vitor que nao tem medo de dizer o que pensa.

    Mais ainda a Vitor que abraça o povão.
    Me senti abraçada agora e vou la na Marisa comprar uma bata indiana

    beijos!

  6. ótimo texto…Por isso adoro moda!!Um mundo maravilhoso [as vezes meio contraditório] que da pra você viajar, e tirar inspirações dos mais variados lugares ou seres…Parabéns

  7. A moda de rua é tudo o que surge dos grupos sociais, seja um reflexo dos seus papeis sociais ou a contestação destes. Desta maneira como podemos pensar em oposto a ela? Ou pensar que ela se opõe a moda da passarela? Ela se opõe aos princípios sociais de uma época, aos costumes de um determinado local, não ao que está sendo desfilado! Não podemos deixar de ver a moda como um fenomeno capitalista, a moda é filha deste sistema e por isso é dialética por essência! Ela propõe a individualização e nega a aproximação/semelhança, como também, a sua recíproca se faz verdadeira, uma vez que as pessoas também se vestem para apresentar uma imagem próxima a de um ídolo ou a de um grupo social ao qual elas flertam com a ideologia.

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