CRÍTICA DE MODA NO BRASIL?

A crítica de moda no país sofreu duas grandes baixas esse ano. A primeira foi a saída de Alcino Leite Neto como editor de moda da Folha de São Paulo. Uma das poucas vozes independentes se calou. Senti durante todo esse ano uma tremenda falta de visões de Alcino sobre moda, por mais que pudesse alguma vez discordar dessa ou de outra ideia, existia ali um exercício crítico – sincero – de pensar a moda. Não é à toa que sua entrada para o mundinho coincide também com um interesse de novas gerações sobre o pensamento de moda e isso podemos ver tanto no surgimento de um evento do porte do Pense Moda como também no excelente fanzine de Aline Botelho e Thiago Felix, o Edição de Luxo. Enquanto tivemos Alcino na Folha e seu aprendizado sobre o ofício de moda – ele mesmo admitia não conhecer nada de moda quando ia aos primeiros desfiles -, acabou acontecendo também uma desmistificação da informação de moda. o que era quase criptografado se tornou acessível. E não tenho nenhuma dúvida que ele exerceu sua crítica como os críticos de outras áreas da cultura também a exercem, uma crítica atuante. Para muitos, a contagem de negros era mais um sensacionalismo da Folha, “uma bobagem” para muitos fashionistas dissimulados em seus preconceitos mais profundos. Pois para mim sempre foi clara como uma atuação crítica, no sentido mais moderno, de interferência no processo. O aumento do número de negros nos últimos desfiles da temporada de moda em São Paulo não é obra do acaso ou vontade de um ser generoso e provedor e sim fruto de uma atitude crítica.
Mas Alcino não escreve mais sobre moda…
A segunda veio como uma ducha fria. A saída de Erika Palomino do site FFW, ligado ao São Paulo Fashion Week. De umas 3 temporadas pra cá, o site que nunca me chamou a atenção e sempre achei chapa branca, tinha se tornado algo interessante por ter um time de jovens jornalistas tentando exercer a crítica dos desfiles de moda. Pelo que eu saiba foi uma das condições para Erika aceitar o cargo e foi a que fez sair, já que não poderão ser feitas críticas “negativas” das coleções a partir das próximas temporadas.
Desde que comecei a frequentar o mundinho, muitos dizem a boca pequena que Gloria Coelho sempre faz a mesma coisa, dizem esse “fazer a mesma coisa” de forma meio depreciativa – pessoas até próximas da estilista. Existe uma parcela de fashionistas que fazem essa mesma crítica a Gloria Coelho faz muitos anos. Eu – que quero deixar bem claro, tenho a maior admiração pela estilista – discordo e acredito que não é demérito fazer a “mesma coisa” (tadinho do João Gilberto). Mas existe essa visão [válida, já que feita por muitas pessoas de moda] que aposto nunca chegou a sra Coelho, mas o jornalista Luigi Torre, na temporada passada para o FFW, teve a coragem de escrever isso. Oras, além de ser um ponto de vista dele, é também algo que se discute com muita recorrência nos corredores da Bienal, o que eu – mesmo discordando – acho muito legítimo de se tocar e discutir. Gloria Coelho ligou reclamando para Paulo Borges – é o que dizem os corredores e a boca pequena que aqui se torna grande. Dizem que outros estilistas também reclamaram das críticas pouco laudatórias de suas coleções no site do FFW. Eu sinceramente acredito que os estilistas deveriam perceber que sem uma crítica de moda, o trabalho deles nunca terá relevância no panorama cultural e por crítica coloca-se tanto o que pode ser ruim e o que pode ser bom. Nada é 100% perfeito como querem os estilistas, stylists, empresas, marketing da marca. Por mais duras que às vezes possa parecer as palavras de alguém que escreve de moda, sim pode ser irresponsável, se um estilista quer ter relevância cultural, ele deve entender as críticas como peça fundamental do seu processo criativo.
Sim, uma grande maioria dos críticos de moda precisa crescer e aprender muito, mas os estilistas também.

PS: Sobre o fato do site do FFW ser do SPFW, eu só penso em Maria Rita Kehl e o Estado. E aqui eu me calo.


Saudades de Alcino

26 Respostas para “CRÍTICA DE MODA NO BRASIL?

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  2. Vitor já leu o dusinfernus faz tempo (estava com saudade dos textos, diga-se de passagem) e invariavelmente estou aqui concordando ou não com vossa mercê e se há um ponto neste seus escritos de agora que concordo demais da conta é sobre toda a pataquada que está se implantando, que a gente até pode delimitar, a partir da saída de Dona Palomina do FFW.
    O certo é que, em nenhum lugar do globo os criadores se entendem bem com a crítica, mas em poucos lugares, por conta deste não entendimento e bem querer, a crítica é sufocada. Talvez reflexo de anos de hipocrisia e de outros malfazejos, hoje observamos nossa avaliação no percentual de democracia, estamos nos quadragésimos lugares. Dando um ‘oi’ pra Coréia do Norte, te deixo.

    Bisou.

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  4. Adorei o texto e concordo com tudo!
    Por favor ,continuem!!
    Abs!

  5. Concordo, concordo, concordo. Ótimo texto. Mas me pergunto se as pessoas do meio , tirando muitas pessoas, como o próprio Ronaldo querido aqui de cima, estão interessados em exercício crítico, liberdade e outras coisas que consideramos tão valiosas. Posso ser pessimista. Mas acho que muita gente da nova geração só está preocupada mesmo com a cor do esmalte, a marca da bolsa e em “ser amigo de estilista”. Eu tenho vários amigos estilistas, vc sabe. haahhha! Mas acho que vc entendeu o que eu quis dizer. E volte com o dus infernus sempre, amigo.

  6. Mais uma vez, também, faço das minhas palavras as da Nina.

  7. Bom de ver que alguém do “mundinho” pelo menos concorda com pessoas normais que estão ali, ainda aprendendo.
    Se até os que são “imortais” no que tange a moda sofreram com críticas, não entendo porque alguns dos nossos estilistas, ainda que sejam os grandes aqui no país, neste momento, não podem lidar com ela.

    Texto ótimo, e super pertinente.

  8. Post conciso e preciso. Adorei!

  9. do mesmo jeito que o desfile é um ponto de vista, a crítica, mesmo embasada, também o é.
    viva as opiniões alheias, viva a liberdade de expressão!
    que a moda brasileira perca o medo e desagrade mais! — o bonito, afinal de contas, já não foi feio?

  10. Boa Vitor, só a crítica pode conferir a moda a seriedade que ela tanto busca, não há outro caminho!

  11. Olá! Sou nova no jornalismo de moda, mas já confirmei muito do que foi dito no texto. É uma ótima reflexão e espero que sirva para que os profissionais da área parem e repensem. Abraços!

  12. NUCOOL RELOAD DE NATAL

    Amorecos! leiam os sinais:

    1- O desinteresse do Grão Mol MM pelo setor

    2- A saída do Alcino. Acho que ele saiu porque estar associado a moda se tornou tão decadente como consumir cocaína, a aura de glamour acabou.

    3- A reclusão de Ricardo Oliveros

    4- O suicídio de Alexander MacQueen

    5- O sucesso da Temporada de Moda Capricho. Deixem para os novinhos deslumbrados do interior

    ;0)

  13. bota um feed filhão

  14. Achei lindo da sua parte não ter pesado nas palavras Tio Vitor, porque a boca pequena por aí nem sempre é educada e generosa.
    E eu não sabia que a Palomino tinha saido, apesar de ter notado a falta de entusiasmo dela sobre o FFW nas redes sociais.

    Bjão!

  15. Tb não sabia da saída da Erika. Mas o texto me lembrou quando a equipe do site EP foi barrada em um desfile de moda praia após uma crítica na temporada anterior. O estilista não aceitou a crítica.

  16. Os desfiles aqui podiam cessar durante algum tempo, imagina que delícia 2 anos sem essa preguiça!?
    Vitor, scuza elas, são tutti serumani…kkkk

  17. Texto perfeito!
    A crítica é necessária em qualquer processo criativo como um ponto de vista que mescle conhecimento técnico e sensibilidade artística da obra de quem se expõe.
    Trabalhei há alguns anos com crítica teatral, tendo retomado o ofício em 2009, e desde o último ano também acumulo o trabalho de crítica de moda. São mundos bem diferentes, sobretudo mercados diferentes. Enquanto o teatro praticamente implora a presença do crítico na esperança de satisfazer egos subestimados e melhorar sua bilheteria ou ao menos aumentar o clipping escasso, a moda parece temer o crítico como inquisidor, como alguém que caso não some status positivo à marca, é “mal vindo”.
    A relação crítico-criticada não é fácil porque ambos os lados se valem de pessoalidades na construação de certa rivalidade muitas vezes. Entretanto, é preciso seguir realizando e resenhando a realização, pois a crítica é essencial para a evolução do próprio criador. Mesmo que ele ainda não saiba disso.

  18. isso me lembra que o marcio madeira deu uma entrevista falando que nao compensava mais vir ao brasil pra fotografar passarela, porque o SPFW tava fazendo todo um protecionismo, incentivando as marcas a só aceitar os fotografos do FFW e etc.

    quase uma ditadura

  19. Pedro Pinho – quando vc falou em “quase uma ditadura” eu diria que foi exatamente nisso que eu pensei. Tenho visto no Brasil esta postura não somente quanto à crítica de moda mas à toda e qualquer crítica que se faça. É uma sensação muito ruim de ditadura velada. Acho abusrdo a crítica ter que ser “aprovada” pelo criticado para ser exposta, como acabei de ler. No geral, as pessoas não percebem que quando se expõe, estão sujeitas à críticas – sejam elas boas ou ruins.

  20. A moda brasileira precisa de crítica de moda e POLÍCIA DE QUALIDADE. Acabamento péssimo, materiais de quinta, falta de técnica para modelagem e por aí vai…mas o preçinho eh bem Colette. Q venham todas as Zaras, Topshops, H&Ms em cada esquina. Porcaria, por porcaria…preço justo.

  21. Falou tudo!

  22. Oi Vitor,
    Acho meio mágoa de caboclo toda essa desfesa da crítica. Pouca gente levantava essa bandeira, entre elas muitos “críticos”, enquanto tudo estava mais ou menos interessante para cada um.
    Muita gente despreparada, sem competência, sem bagagem tendo espaços valiosos em diferentes mídias, destruindo as vezes o trabalho de meses de estilistas, sem qualquer respeito ou responsabilidade. Você deve saber: tem muita gente descoladinha, que se faz na noite e que ganha espaço muitas vezes mais baseados em suas habilidades sociais, que profissionais.
    Gente boba que usa o efêmero poder midiático que tem, muitas vezes para se promover, fazendo-se mais importantes do que realmente o são.
    Gente boba, que acha que está na primeira fila pelos belos olhos azuis e não pelo veículo que representa.
    Obviamente não é dessa gente que você está falando. Por isso mesmo acho tudo isso muito natural. Por que não a crítica da crítica? Acho justo um estilista colocar o crítico no seu devido lugar, tanto quanto é natural a crítica fazer o seu trabalho.
    E por fim, para termos críticos de moda, precisamos de ter moda. Mas nessas horas, “os críticos” não se lembram de terem estação após estação cagado a coleção de quase todo mundo (Fashion Rio e SPFW).
    Muito justo!

  23. Adorei o texto e acho que quem um dia estudou pra valer, quer que isso aconteça na prática: textos de qualidade em tempo real!!! (E atual)
    Achei massa demais, ver Nina Lemos e Johnny Luxo dando opinião aqui! Lindo, isso é mundo real, ser autêntico sem ter pra quê agradar alguém.
    Queria saber a opinião de geral sobre esse assunto, mas voltado a questão atual dos blogs terem essa voz ativa tão pontual sobre as críticas. Como se antes, a opinião que contava era a da Costanza, Glorinha,Lula Rodrigues.. e críticos em geral, e hoje essa super valorização da opinião de alguns que mais parecem colunistas sociais. Com “know how” de marca e fama, e não de intenções para com um setor econômico!

  24. Pingback: SPFW e a cobertura da temporada « Raphael Debei

  25. Alguém que não aceita uma crítica – seja ela construtiva ou não – não tem maturidade de se apresentar. Devendo repensar seus objetivos. Qualquer tipo de crítica deve ser recebida e digerida para otimizar qualquer forma de serviço (não só no ramo da moda).

    Me preocupo muito com essa forma de informação de moda sem uma crítica, uma apresentação da proposta da marca… sinto dificuldade em encontrar textos que não falem apenas de quam estava na primeira fila, aqual foi a top model do momento de desfilou e qual maquiagem e esmalte foi usado no desfile X e Y. Quero encontrar conceitos e só encontro os efêmeros (sejam em sites “sérios”, sejam em blog direcionados)

    Teremos por fim, que ter cuidados com os monopólios de informação. Levar a sério demais apenas as “propagandas” transforma a moda em uma coisa chata e monocromática.

    Bjos

  26. Quase um ano depois, vim aqui comentar! rsrs

    Realmente, a saída da Palomino é tensa. E agora que ela está indo pra L´Officiel, sabe-se lá o que vai rolar.
    Não conheço muito o perfil da revista. O que você acha, Vitor?

    De quando você fez essa matéria até hoje, percebeu que algo mudou?

    Abraços!

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