DILMA, ANA E A AÇÃO CRÍTICA

Alcino Leite – atualmente Editor do PubliFolha – publicou no domingo, dia 09 de janeiro, o seguinte texto na Folha de São Paulo, dentro do caderno Poder:

Look da presidente põe em xeque projeto de prêt-à-porter brasileiro de prestígio


Ter uma mulher na Presidência da República é uma espécie de revolução para um país cujo passado patriarcal é dos mais pesados.
Dessa perspectiva, parece fútil tratar da relação de Dilma Rousseff com a moda. No entanto, eis um pequeno tema que deverá estar presente nos quatro anos de governo.
Antes que me acusem de sexista, gostaria de deixar claro que não estou preocupado com o estilo da presidente. O que me interessa é a decisão que tomou de vestir na posse uma roupa feita por uma costureira particular pouco conhecida, e não um modelo criado por algum dos principais criadores ou grifes brasileiros.
A escolha de Dilma representa um baque para as marcas nacionais de moda. Há décadas, estilistas e empresários vêm se empenhando em criar um prêt-à-porter brasileiro de prestígio, nos moldes do que ocorreu na França, na Itália e nos EUA.
Naqueles países, a indústria de moda é bastante forte, uma empregadora de peso e uma poderosa fonte de riqueza. Não é à toa que Michelle Obama elege cautelosamente a grife americana que vai vesti-la em eventos expressivos. O mesmo faz Carla Bruni, ao selecionar seus trajes entre as famosas “maisons” francesas.
Nas escolhas dessas primeiras-damas, está em jogo não apenas a elegância, mas também o compromisso com um extrato da economia de seus países.
É certo que Dilma optou por uma roupa brasileira, feita com toda dignidade pela gaúcha Luisa Stadtlander. Agindo assim, entretanto, acabou por colocar em xeque a relevância das grifes nacionais de prêt-à-porter e de luxo, bem como o projeto que elas mantêm de modernizar o design, a produção e o consumo no Brasil.
A decisão da presidente demonstra outras três coisas: que os celebrados estilistas nacionais não estão aptos a agradar mulheres “reais” como ela; que a política de afirmação do prestígio das grifes está muito longe de se efetivar no país; e que a indústria de moda brasileira, enfim, parece não ser um assunto significativo para a Presidência da República.

Na foto da presidenta e de seus ministros, reparamos de canto que um look azul acinzentado destaque-se dos demais. Apesar do incômodo laranja e vermelho usado por outras ministras, é na elegância de Ana de Hollanda que prestamos a atenção. O vestido que sugere uma forma avental vai em oposição ao falso tailleur da presidenta. Se o conjunto saia e blazer que é quase tailleur está ligado ao trabalho burguês, o vestido, que tem rabiscos e forma de avental de alguma forma, é um uniforme muito usado e conhecido tanto da classe operária como da classe média. O vestido é uma criação de Ronaldo Fraga, um dos grandes designers autorais do país.

Dilma não se preocupou com a indústria da moda no país em sua posse. “Coisa de mulher, futilidade” como pensaria um bom burguês do século 19 no alto de seu terno [não podemos esquecer que o tailleur é o terno feminino]. Já Ana sinalizou que está realmente disposta a caminhar ao lado dos criadores, de criadores como Ronaldo Fraga. “O Ministério vai ceder a todas as tentações da criatividade cultural brasileira. A criação vai estar no centro de todas as nossas atenções […] A criatividade brasileira chega a ser espantosa, desconcertante, e se expressa em todos os cantos e campos do fazer artístico e cultural: no artesanato, na dança, no cinema, na música, na produção digital, na arquitetura, no design, na televisão, na literatura, na moda [grifo meu], no teatro, na festa”.

Percebemos que não foi mero detalhe a escolha de Ronaldo Fraga por parte de Ana de Hollanda assim como também não é secundária a escolha do off-white de Dilma – isso tem outras implicações que desenvolverei depois. Existem diferenças femininas claras entre as duas e o “fútil” traje pode tanto demonstrar essas intenções.

A ação crítica de Alcino levou a essa nota no caderno de cultura do mesmo jornal, na coluna de Mônica Bergamo, nesta quarta-feira, 12 de janeiro:

PASSARELA OFICIAL
Depois de esnobar as grifes nacionais na escolha da roupa da posse, a presidente Dilma Rousseff vai abrir espaço na agenda desta semana para telefonar a Paulo Borges, diretor da São Paulo Fashion Week e do Fashion Rio. Quer se colocar a serviço da promoção do prêt-à-porter brasileiro. Os dois estiveram juntos na campanha, quando a então candidata prometera criar um ministério da Pequena e Média Empresa para alavancar o setor.

Uma certa esquerda no país tem o péssimo hábito de agir por maniqueísmo, por ser puramente de esquerda acreditam já vir com a grife que é bom e justo e leal, o pragmatismo tem mostrado que a história é outra. Agora basta acompannhar os novos looks de Dilma – talvez dirão mais que seus atos – e o quanto essa nota de Bergamo pode ter de verdade, a verdade que só os tecidos desnudam.

12 Respostas para “DILMA, ANA E A AÇÃO CRÍTICA

  1. Lembra quem vestia Dilma no começo da campanha eleitoral? Alexandre Herchcovitch, auxiliado por Celson Kamura. O samurai do make-and hair ficou mas o estilista foi defenestrado por Dilma, que disse, segundo li no UOL, que as roupas eram horríveis. Herchcovitch não durou até o segundo turno, foi eliminado antes, se não me engano.

    E viva as costureiras do Brasil!!!

    Viptor, não é que vou roteirizar e editar um doc sobre a indústria têxtil no Vale do Itajaí? Pois…

  2. alcino tá certíssimo quando aponta as outras três coisas que a escolha da dilma representa – especialmente a de que a indústia de moda do brasil não faz roupa pra senhora, pra gordinha, pra gente “fora do padrão” (tipo OI? quando o padrão tá mais pra dilma do que pra modelo de prova). a gente tem cliente com esse mesmo corpitcho da nossa presidente e olha, não é fácil não. se o “pret-a-porter” brasileiro resolver vestir a dilma, vai acontecer de deixar de ser pronto-pra-usar porque vão ter que providenciar tudo sob medida pra ela – na arara não tem! brasil-brasileiro viu. :\

  3. Será que, se Ana de Holanda fosse ministra da Economia ou da Ciencia e Tecnologia, usaria este vestido, ou orientada por um consultor de imagem, ela não usaria um tailleur?
    É interessante que governantes usem o ir e vir, que é sempre público, para divulgar não apenas a moda mas qualquer outro produto do seu país. Não apenas pela questão economica mas de valorização do produto nacional.
    Por que não escrever para a presidenta dando sugestões?
    Segue aqui o link
    https://sistema.planalto.gov.br/falepr2/index.php

  4. Gostei muito dos comentários da Fernanda e da Izabel. Porque eu não acho que a Dilma esnobe a moda brasileira, o que acho é que ela não conhece realmente. Talvez por ser mais da área da cultura a Ana conheça mais estilistas (porém, a Ana é magra).
    Minha questão é um pouco essa, para quem é a moda de pret-a-porter brasileira? Porque a moda pret-a-porter não chega até Dilma? Por que não é uma cultura mais popular? E não quero nada temática como as rendadeiras da cidade tal. Quero mesmo a popularização de um nome como o do Ronaldo Fraga entre um dos ícones da cultura brasileira.
    Ps.: Minha opinião no caso do Herchcovitch é que ele e a Dilma não se entenderam. E na posição dela entendo que ela não ouse, qualquer deslize seria comentado por dias, mas essa aproximação do Paulo Borges talvez renda alguma coisa. Entretanto, (por mais que eu seja feminista e esse comentário pareça sexista, não o é), depois do texto do Alcino acho que justamente por termos uma mulher na presidência está na hora de discutirmos moda nesse país. Chegou a hora do mercado de moda brasileiro de pret-a-porter brasileiro mostrar seu valor.

  5. Oi Vitor,
    Meu comentário não tem relação direta com o post. Mas acredito muito na força do seu blog.
    A tragédia que acontece na região serrana do Rio não para de estampar jornais, sites e os telejornais.
    Em recente visita à região a presediente afirmou: ” A população pode esperar ações firmes”.
    É INACREDITÁVEL pensar que mais de 72 horas depois do início do incidente ainda existam regiões onde o socorro ainda não chegou. Fica então então o apelo a todos que lêem aqui, que escrevem por aí, que twittan, que …
    Um apelo a presidente, ao governador, ao prefeito, à opnião pública. A população NÃO PODE ESPERAR.

    Abç

  6. srta Bia, é claro que Dilma esnoba a moda brasileira, pode ser inconsciente, mas o passo – em falso em relação à moda brasileira – da roupa dela na posse diz muito. E outra, não acredito que Ana ficou bem porque era magra, mas proque a roupa lhe era adequada, mostrava sua personalidade e projeto, refletia seu pensamento de forma clara. Enfim como escrevi no facebook: “eu gostei do look dela [Dilma], tem sacadas muito importantes e outras reveladoras que já estamos enxergando agora, mas o buraco é mais embaixo. o projeto de Ana é claro, o de Dilma nem tanto e as roupas dizem isso”. Essa é enfim a reflexão proposta que passa longe se Ana é magra ou Dilma roliça, passa por representações de projetos através daquilo que é mais fantasioso e construído, que são as roupas

  7. Vitor, entendo perfeitamente seu ponto sobre a questão dos projetos por meio das roupas. Porém, acho que as trajetórias pessoais de Dilma e Ana refletem suas escolhas de vestuário. Não é a toa que num grupo de 8 ministras, a Ministra da Cultura seja justamente aquela que tem um projeto de moda explícito.
    Minha questão é que não vejo como Dilma poderia ter chegado até a moda brasileira, se a moda brasileira não chega a ela. Se o mercado de pret-a-porter brasileiro não alcança quem já esteja relativamente envolvido em seu âmbito cultural.
    Ontem vendo o fechamento da Fashion Rio, no GNT, vi uma entrevista com o estilista da Auslander. Ele comentou o passo importante que deu para marca ao se unir com a Animale e com a Farm e ressaltou o tempo todo seu interesse em baratear o preço das roupas. Essa preocupação tem um pouco da questão de mercado que o Alcino cita, mas pode ser o início de uma aproximação da moda com um público maior que simplesmente não a conhece.

  8. eu gosto muito de como Dilma se veste, e não ela não esnoba a moda.
    por ter escolhido uma estilista desconhecida foi fiel a si mesma, e outra num pais de assolado pela miséria usar um terninho que custe muitos milhares é falta de respeito. os tempos pedem a sobriedade da presidenta.

    • Claro.
      E ainda acho engraçado todo mundo falando de moda no Brasil, e a palavra mais usada não é da nossa língua.

      No caso da Dilma, o momento não era de valorizar uma indústria de luxo. O momento era histórico. A posse da primeira mulher à presidência. Os olhos deveriam estar nela e não em suas roupas.
      E por favo. O ministério de micro e pequenas empresas deve ser para apoiar pequenos empresário de todas as aeras. Para desenvolver a industria e a economia brasileira, gerando renda e empregos. O Brasil é jovem e pequeno, para que a indústria da moda (simples e fútil) seja alvo de tanta atenção. A maioria dos brasileiros não compra com esse Alexandre Herchcovitch, nem conhece.

      Essa é uma indústria como outra qualquer, e deve ser tratada como tal. A moda e divertida, legal, pessoal. Qualquer pessoal se veste de acordo com o seu estilo. Mas não chega a ser politicamente importante, quando comparada a outros assuntos.

      Fico realmente impressionada como alguns comportamentos.

  9. Pingback: AINDA SOBRE A ROUPA DO PODER – UM PAPO ENTRE MARIO MENDES E WALTER RODRIGUES | dus*****infernus

  10. Exagero para um país onde poucos, como Fraga, faz uma moda original

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