O ARMÁRIO (O CASO MCQUEEN)

No armário estão as nossas escolhas e nossos esquecimentos. Lá, onde faremos nosso primeiro contato do que queremos ser, estar ou demonstrar para mundo, é também um espaço aberto do possível. Ou do impossível, pois muitas vezes o abrimos e percebemos que nada que lá tem, nos interessa, nesse momento não há escolha, só esquecimento.

Para os homossexuais, sair do armário é revelar-se, mostrar-se verdadeiro com os seus desejos, ter feito a escolha certa, entrar em sintonia com a realidade. Na literatura e no cinema, o armário também tem seus símbolos, sempre como um lugar que pode te levar a um outro espaço-tempo, a partir do momento que você se tranca no armário, é possível vislumbrar um outro mundo (irreal ou paralelo) – seja em “Poltergeist” ou “As Crônicas de Nárnia”. O armário é o espaço de transe entre a realidade e o irreal, o imaginado.

Alexander McQueen sempre levou dramaticidade e teatralidade para as passarelas, isto é, a fantasia. Como os grandes da moda, deixava a realidade mais intensa porque movia-se – para falar dela – no terreno da ficção, do sonho. Em uma época – essa que vivemos agora – que a moda insiste em ser mais pé no chão e ter apelo (mercadológico) à realidade, ele foi até então um antídoto contra esse novo dogma. Nunca deixou de sonhar. Costanza Pascolato declarou no dia de sua morte: “[A morte dele] encerra um período, a era do prêt-à-porter espetacular”.

McQueen sabia que seu armário era o espaço do transe. Uma porta que abria para outras portas, outros mundos. Mas isso estava começando a ser vetado. “Mais realidade, mais realidade” continuam gritando os empresários das casas de moda.

O estilista inglês nunca esqueceu que o armário é o espaço das escolhas. E por isso ele escolheu o suicídio (sem elegias ou elogios) dentro de um armário. Podemos vislumbrar essa imagem como a volta ao ventre da mãe, que acabara de falecer e era uma pessoa de extrema importância na vida de McQueen. Simbolicamente também, parece ele pedir para religar-se à figura materna, mas também à moda [espetacular] que esta falecendo. É uma imagem poderosíssima (talvez a mais) como todas as que ele soube criar para seus desfiles.

Ao encerrar sua vida dentro de um armário, apesar da negatividade arquetípica, McQueen faz uma ação afirmativa ao indicar que as escolhas são nossas e que por isso mesmo podemos sonhar no momento que quisermos, mesmo que todos nos queiram acordados. Enfim, ele era uma libertário!


Alexander McQueen escolheu esse chapéu para o enterro de sua amiga Isabella Blow

23 Respostas para “O ARMÁRIO (O CASO MCQUEEN)

  1. arrasou nesse texto. fudidão mesmo. analogias de uma pessoa com talento – sim, ainda existe isso no mundo apesar de todos agora serem modelos/atrizes/jornalistas/djs/produtores sem ser nada além de… pessoinha.

  2. texto incrivel, com certeza o melhor que li sobre o mcqueen. poetico, sincero e profundo. parabens!

  3. um texto de moda escrito como quem desliza pelos cabides, nesta época de armários fechados… era o que eu precisava ler por estes dias. obrigada.

  4. Que texto incrível. Encantador e libertário como McQueen.

  5. ontem eu e a cristi lemos juntas e passamos o resto do dia pensando em como a tudo em volta tá cheio de realidade demais, tudo numa ansiedade por pé no chão que deus me livre. você tem razão amigo. o tema do seu texto já tinha me emocionado pelo telefone, agora escrito me emocionou de novo.

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  7. Primeiro gostaria de parabenizar pelo ótimo texto, e compartilho da opinião das pessoas acima: é o melhor já escrito sobre a morte de McQueen.
    Muito triste perceber que é realmente esse aspecto de moda que está se instaurando hoje, o de moda-realidade. Não somente na moda, mas em tudo hoje em dia, somos vigiados por palavras como palavras “realidade” , “integridade” e “seriedade”. A todo momento. E qualquer um que escape desses preceitos, que aguente os julgamentos que, certamente, não serão poucos.

  8. Primeiro gostaria de parabenizar pelo ótimo texto, e compartilho da opinião das pessoas acima: é o melhor já escrito sobre a morte de McQueen.
    Muito triste perceber que é realmente esse aspecto de moda que está se instaurando hoje, o de moda-realidade. Não somente na moda, mas em tudo hoje em dia, somos vigiados por palavras como “realidade” , “integridade” e “seriedade”. A todo momento. E qualquer um que escape desses preceitos, que aguente os julgamentos que, certamente, não serão poucos.

  9. Alexander McQueen é a prova de que: O mundo é movido por ideias.

  10. querido, fico muito honrada em vsc me dedicar esse texto. eu suspeitava de alguma simbologia na imagem do enforcamento no armário, mas não alcancei o sentido – porque nessa vida, nada é gratuito.
    como sempre, seu texto carrega um ponto de vista original e é dessa autenticidade que mais do que nunca nós precisamos.
    obrigada por abrir um ponto de vista e jogar uma luz (desculpe o pobre, mas verdadeiro trocadilho) no fim desse túnel.
    um beijo

  11. gostei mto do seu texto, principalmente do ponto de vista analisado! mto interessante

  12. Adorei o texto! Que fique de inspiração para a próxima vez que hesitarmos em trazer um pouco de sonho para nossa realidade. Seja pelas roupas ou objetivos.

  13. Só li hoje, 24/10, por um link da Oficina de Estilo.
    Texto primoroso. Mas mesmo assim , muito triste. Aprendi a admirar o trabalho de Lee Mc, fiquei arrasada com a sua morte prematura. Entendo que ele fez a escolha, de tirar a própria vida. Pobre de nós, que ficamos órfãos de suas criações.

  14. Que post lindo! Obrigado.

  15. Texto espetacular!!!! Que com a leitura deste possamos abrir os “olhos” e realmente ver o que há dentro dos nossos “armários.

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  17. claudia matandos

    Que texto lindo!!!
    Foi a homenagem mais bonita que li.

  18. Que texto lindo!
    Juro que me emocionei!

  19. Escolhi ter um armário pequeno na Asia e tô sempre com uma roupa diferente. Sério!
    beijo

  20. Ele era um genio que acabou caindo na propria cilada da genialidade, o mal entendimento de si-proprio para com o mundo, resultando suicido. Eu realmente fiquei muito triste por ele . E talvez pos nos tambem.

  21. genial este texto, fiquei emocionadissima e sem palavras, somente a pensar, pois venho pensando em temas como este, e Mcqueen como meu grande exemplo, bom, parabens, de veras o texto mais primoroso que já li sobre nossa terrivel perda.

  22. Pingback: God save McQueen « MIMO UFAM

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